É disto que nos fala o livro de Nuno Ribeiro. Protagonista e espectador atento das transformações a que temos vindo a assistir, ele sistematiza, numa linguagem acessível, a tremenda complexidade dos processos de reorganização das empresas e dos negócios, sem nunca se deixar tentar pela ideia confortável do definitivo. Diz mesmo, no primeiro capítulo, que “pretende reflectir os desafios e realidades que hoje vivemos, mas amanhã tudo pode mudar…”.
No “olho do furacão”, a indústria de Media (tradicional) tem desenvolvido iniciativas, nem sempre da forma mais acertada, é verdade; mas tem tomado decisões com algum alcance estratégico, que têm permitido reconverter modelos de produção (muitas vezes ainda de forma tímida) e adaptar-se às exigências da realidade atual.
O ambiente (digital) em que nos movemos e, sobretudo, as alterações dos padrões de consumo de media exigem dos meios tradicionais (rádio, televisão, imprensa) um esforço suplementar para se adaptarem a um universo multiplataforma, com vista a capturar os diversos públicos que, progressivamente, têm vindo a deslocar a sua atenção e preferências para novos suportes, contactando os meios tradicionais e os novos media de modo integrado.
Esta nova realidade coloca a oferta de conteúdos (preferencialmente diversificada e diferenciadora) no centro do negócio, com valor estratégico para drenar múltiplos segmentos de consumidores, cada vez mais exigentes, tornando absolutamente indispensável a multiplicidade de suportes de distribuição. Assim, a reformulação dos circuitos de produção, simplificando o fluxo de conteúdos entre plataformas, a reestruturação da organização do trabalho e o recrutamento de novas competências, são fatores decisivos para produzir uma resposta adequada aos diferentes públicos que, embora alguns preservem ainda hábitos de consumo tradicionais, têm hoje novas necessidades.
A velha relação entre emissor e recetor, esfrangalhou-se. Embora muitos de nós ainda oiçam rádio, no rádio; vejam televisão, no televisor; e não resistam à intimidade com o papel de jornal, o “estatuto” do receptor está a evoluir para o centro (do universo mediático). É ele quem escolhe os emissores (de notícias, de entretenimento) que pretende, quando deseja, no horário que mais lhe interessa. Produz os seus próprios conteúdos (UGC, user generated content), e disponibiliza-os sem necessitar de qualquer autorização. Produzir conteúdos próprios ou participar nas programações não é novo (a rádio construiu, desde sempre, conteúdos com os seus ouvintes); o que é novo é a capacidade do receptor/consumidor publicá-los sem recorrer a “centros de emissão” institucionalizados.
Vivemos num mundo em que os jornais usam áudio e vídeo; os telemóveis tocam música, são verdadeiras centrais de informação; tablets são fontes inesgotáveis de informação e entretenimento; em que imagens da rádio abrem jornais televisivos. Isto é, conteúdos com origens diversas convivem no mesmo ambiente (digital), disputando a atenção dos consumidores, o que tem vindo a alterar de forma consistente os hábitos de consumo. Tendencialmente, cada vez menos pessoas se deixarão ficar sentadas na margem a ver o “Rio” passar. Cada vez mais pessoas passarão a preferir o “Lago”, para citar a imagem feliz de Christian Nissen, quando se refere à programação linear e a concentração de conteúdos para descarregar. A confirmar-se o que parece ser já muito mais do que uma tendência, cada vez mais pessoas consumirão de forma não tradicional. (33% dos consumidores Internet escutam rádio ao mesmo tempo. A rádio, de resto, é o meio tradicional mais forte em todos os estudos sobre multitasking – Fonte: Havas).
Definitivamente, neste nosso tempo, os meios tradicionais já não se ouvem, vêem ou lêem apenas (e cada vez menos) nos aparelhos habituais ou no papel. Expandiram-se para outros territórios. Ganharam uma nova vida.
Rádios, televisões e jornais tenderão a fazer convergir os seus conteúdos para outras plataformas e outros suportes, de modo a disponibilizá-los anytime e anywhere (com claro prejuízo para o prime-time, em desvalorização acelerada), levando os consumidores a “tropeçarem” no que produzem. Cada vez mais, será a capacidade para convergir (com outros meios), distribuir (em suportes múltiplos) e diversificar (conteúdos) que tornará os grandes produtores (os velhos emissores de notícias e entretenimento) relevantes.
E esta evolução será tanto mais rápida quanto mais depressa se encontrar a solução adequada de medição. Esta será a questão essencial do mercado, nos próximos tempos. O que o mercado vai querer saber é quanto é que vale cada conteúdo nas diversas plataformas e suportes. E nenhum dos instrumentos de medição disponíveis, resolve o essencial: medir conteúdos, na sua distribuição linear e nas diversas aplicações, que é exactamente o que o mercado exigirá saber. Um dia, quando o negócio do LAGO (de conteúdos) se impuser ao actual RIO (da programação linear) ou quando o mercado determinar que os dois coexistirão, somando-se, encontraremos uma solução.
Nos últimos 20 anos mudou tudo, ou quase. Mudou a forma como se produz. Mudou a forma como se distribui. Mudou a forma como se consome.
A inovação tecnológica não parará de nos surpreender e contribuirá fortemente para acelerar o processo de convergência de meios e a integração de conteúdos. Mas, no essencial, a questão tecnológica está resolvida. Resta saber se as empresas, neste conturbado “período de transição”, terão capacidade (e inteligência) para reconverter profissionalmente as pessoas e alinhá-las com as novas exigências. Também neste nosso tempo, são as pessoas que vão fazer a diferença.
O nosso principal problema pode ser, como diz Nuno Ribeiro nas suas notas finais, “ a inércia e a dificuldade em adaptar e reorganizar as empresas”, dotando-as de capacidades para responderem “às novas realidades e desafios empresariais provocadas por mudanças abruptas”.
A inércia, a incapacidade para mudar de vida, pode ser mesmo a nossa perdição como indivíduos, uma fatalidade para as empresas e para os países. Neste caso, não resisto a contar aqui uma história que ouvi uma vez a Mia Couto.
Um dia, ele encontrou dois miúdos sentados num muro.
Perguntou a um deles: o que é que estás aí a fazer? Ele respondeu, nada. E tu, o que estás a fazer?, perguntou ao outro. Estou a ajudá-lo.
Nós podemos fazer a mesma coisa, podemos ver os sinais – a crescente utilização da Net; os telemóveis última geração; os automóveis equipados com rádios IP, em que só se ouve o que se quer; o crescimento do cabo; a explosão dos tablets; o On Demand, como uma coutada de excêntricos – e não fazer nada.
Podemos continuar sentados no muro, como os miúdos da história de Mia Couto, mas estaremos sentados em cima de duas certezas: este nosso tempo varrer-nos-á com a facilidade de um tsunami e arrastará, consigo, na enxurrada, o muro que nos serve de abrigo. Os muros da História também caem, como sabemos.
Rui Pêgo